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A Perda da Soberania Financeira: Como Governos Tomaram o Controle da Moeda

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Ao longo dos últimos séculos, o controle sobre a moeda migrou do indivíduo para o Estado; este artigo mostra de forma resumida como isso ocorreu, por que corroeu a autonomia econômica e o início de um caminho prático para recompor a soberania financeira.

Se você perguntar a alguém o que é moeda, a resposta mais comum seria algo como “o dinheiro oficial de um país”. Outros talvez expliquem de forma mais elaborada, dizendo que “é o que o governo emite para facilitar as trocas entre os cidadãos”.

É raro que o Estado seja eficiente em alguma coisa, mas ele certamente foi bem-sucedido em usurpar o conceito de moeda e dinheiro. No entanto, essa apropriação é um fenômeno bem mais recente do que a maioria acredita.

Por milhares de anos, o dinheiro surgiu e foi adotado de forma espontânea pelas pessoas, sem controle centralizado. Apenas depois os governos assumiram o controle da moeda. Neste artigo, além de revisitar essa trajetória, defendo por que é essencial recuperar a soberania financeira.

O Surgimento do Dinheiro

Antes mesmo das moedas, as trocas aconteciam na sociedade de forma direta. Se João era um bom pescador e Ana uma boa coletora, o escambo era o que permitia que os dois trocassem seus excedentes e comessem peixes e frutas frescas juntos.

Um passo além da economia primitiva, porém, as trocas diretas mostravam limitações. Se Maria tinha uma cabeça de gado e gostaria de trocar por arroz, feijão e um conjunto de roupas, ela não conseguiria dividir o seu gado e dar uma parte para um agricultor e outra para um alfaiate.

Além da indivisibilidade, o escambo também enfrenta a dificuldade de encontrar a “coincidência de desejos”. Voltando ao primeiro exemplo, se Ana quisesse comer um peixe de João, mas João não quisesse suas frutas, ela precisaria encontrar uma terceira pessoa que quisesse suas frutas e, ao mesmo tempo, tivesse algo que João quisesse.

Essa seria a troca indireta. Há um nível de complexidade um pouco maior, mas é a partir dela que surgiu depois o dinheiro para simplificar tudo.

Ana descobriu que precisava trocar suas frutas por um bem intermediário, que o pescador João demandasse, para que pudesse finalmente comprar e comer peixe.

Rapidamente, não só Ana, mas toda a sociedade percebeu que alguns produtos serviam melhor que outros como bens intermediários. O sal, por exemplo, tem uma comerciabilidade incrível, afinal quem não precisa, pelo menos ocasionalmente, de sal?

Sal | Foto de Timo Volz na Unsplash

Em Roma, na Abissínia (hoje Etiópia) e até os Maias utilizaram o sal como meio de troca. Na Virgínia colonial usaram o tabaco, nas Índias Ocidentais o açúcar, na Escócia os pregos, e a lista continua… 

Bastava que o bem fosse divisível e demandado para que as pessoas tivessem confiança o suficiente para usá-lo como um meio de troca, ou, em outras palavras, dinheiro.

Naturalmente, as pessoas notaram que alguns bens eram melhores que outros como meio de troca. Apesar de ter excelente divisibilidade e boa demanda, imagine a dificuldade de comprar uma casa com sal. Quantos quilos seriam necessários para pagar? A dificuldade de carregar essa quantia toda seria outro problema.

Logo, as sociedades antigas chegaram à conclusão de que itens raros como ouro e prata, além de muito demandados como ornamentos, resolviam esse problema. Esses metais preciosos mantinham uma ótima divisibilidade, enquanto eram escassos, o que ajudava a manter um valor parecido com o passar do tempo, e melhorava (mas não resolvia completamente) a facilidade de transportar, já que quantias menores podiam valer mais.

Além disso tudo, metais preciosos têm durabilidade praticamente infinita. O ouro não oxida, não enferruja, nem perde o brilho, sendo até mesmo um pouco melhor que a prata nesse quesito, o que ajuda a explicar seu valor maior como reserva de valor.

Entender a história do dinheiro vai muito além de uma simples curiosidade. É fundamental perceber que o dinheiro não é uma unidade de conta mágica que surge de um decreto estatal. O dinheiro é, antes de tudo, uma mercadoria como qualquer outra, com “preço” definido pela demanda por ele e estoque real. Sua diferença fundamental é que, com o tempo, ele é valorizado sobretudo por sua comerciabilidade.

Os Primeiros Bancos

Escolhidos os bens vencedores entre os demais concorrentes, o ouro e a prata, para o papel de dinheiro, o dinheiro deu o próximo passo para virar papel.

Como bens físicos, esses metais eram negociados em grama, quilo, onça, libra, tonelada ou qualquer outra medida. Para compras maiores, o problema está claro: a transportabilidade e até mesmo a segurança. É para resolver esses problemas que surgiram os primeiros bancos, como espécies de armazéns de ouro.

Por alguma taxa, as pessoas guardavam seu dinheiro em segurança no banco e ainda recebiam recibos que correspondiam ao valor guardado. Você pode imaginar o desdobramento seguinte: tornou-se muito mais fácil usar o próprio recibo como um vale-ouro. 

É importante notar que, até aqui, o banco não alterou em nada a oferta monetária. Os depósitos bancários serviam apenas como meros substitutos monetários ao ouro guardado. Enquanto o papel era usado, o ouro no cofre virava apenas um lastro.

Mas essa facilidade veio com um custo: a confiança no banco, já que ele prometia, a qualquer momento, devolver a quantia pela devolução do recibo. E a confiança cobrou caro.

Não demorou muito para que os bancos deixassem de se satisfazer com as taxas cobradas pela armazenagem, afinal elas sentavam em uma pilha de ouro de brilhar os olhos. Tanta riqueza parada escondia um potencial de retorno absurdo.

Como os recibos bancários eram mais convenientes para usar como dinheiro, poucas pessoas pediam de volta o ouro armazenado. E os bancos presumiram que seria altamente improvável que todos sacariam ao mesmo tempo.

Enquanto isso, a economia crescia e havia cada vez mais demanda por crédito. A tempestade perfeita para uma ideia que seria posteriormente chamada de reserva fracionária.

As instituições emissoras dos títulos de ouro começaram a tratar os depósitos como se fossem seus próprios ativos, em vez de ativos de custódia. E passaram a emitir novos certificados de ouro para emprestá-los a juros para ganhar ainda mais dinheiro.

É a partir deste ponto que os bancos passam a operar de forma insolvente. Se todos os clientes tentassem resgatar seus depósitos ao mesmo tempo, o banco quebraria. Esse fenômeno é chamado de corrida bancária.

Enquanto a realidade não bate na porta do banco, a farra continua. E a consequência para a sociedade é a inflação artificial da moeda: Aumenta-se a oferta monetária, sem necessariamente ter uma população mais rica.

A reserva fracionária se dá quando o banco guarda só uma parte do dinheiro que as pessoas depositam e empresta o restante. Alguns autores, como o economista Murray Rothbard, argumentam que a reserva fracionária é fraude. E esse foi o primeiro grande problema resultante da perda da autonomia individual sobre a custódia. Mas fica pior.

A Mão do Estado

Os governos não surgiram do nada. O economista Douglass North argumenta que instituições, incluindo o Estado, surgem para reduzir custos de transação, especialmente os ligados à confiança e cumprimento de contratos.

Para fazer uma troca com alguém, você precisa confiar que a outra pessoa vai cumprir com a sua palavra, não vai sumir nem te enganar. E isso custa caro. Os governos se inseriram na sociedade como garantidores gerais dos contratos e das propriedades, e esse sempre foi o maior “ar de legitimidade” que eles conseguiram passar.

Várias invenções foram capazes de diminuir o custo de confiança ao longo da história, como o próprio dinheiro, pois é uma maneira impessoal e verificável de transferir valor. Por isso facilitam as trocas de maneira geral.

Por outro lado, o surgimento das moedas também facilitaram o trabalho do Estado de coletar os seus tributos, já que, no passado, ele precisava se apropriar de bens físicos diretamente, o que era extremamente impopular. Agora, junto aos bancos, ele via a oportunidade de ficar com uma parte dos meios de troca, ou mesmo inflacionar esse dinheiro.

“No livre mercado, o dinheiro pode ser adquirido de duas formas: ou o indivíduo produz e vende bens e serviços desejados por terceiros, ou ele se dedica à mineração de ouro. Mas se o governo descobrir maneiras de praticar falsificação – criar dinheiro do nada –, então ele poderá, rapidamente, produzir o próprio dinheiro sem ter o trabalho de vender serviços ou de garimpar ouro. Ele poderá, assim, se apropriar maliciosamente de recursos e de forma bastante discreta, sem suscitar as hostilidades desencadeadas pela tributação. Com efeito, a falsificação pode criar em suas próprias vítimas a feliz ilusão de incomparável prosperidade.” – Murray Rothbard. 

Rothbard compara a inflação com a própria falsificação de moedas, pois ambas aumentam a quantidade de dinheiro disponível na economia de maneira artificial. No contexto até aqui, entenda artificial como sem lastro em ouro.

Mas a reserva fracionária foi somente o primeiro passo do descolamento do papel moeda com o ouro. Mais tarde o Estado desvinculou completamente o dinheiro em papel do seu lastro original, e deu origem à moeda fiduciária, o último grande golpe na soberania financeira dos indivíduos.

O Fim do Padrão-Ouro e o Nascimento da Moeda Fiduciária

O padrão-ouro caiu como resultado de escolhas políticas cujo custo real poucas vezes foi discutido abertamente. Durante séculos, o ouro funcionou como uma âncora do navio monetário. Mas embora fosse útil para a segurança dos navegantes, era interessante para os governos manter total controle da moeda, sem restrições.

Esse lastro se desfez definitivamente quando os Estados Unidos romperam o acordo de Bretton Woods, um arranjo econômico firmado em meados de 1944 que ligava moedas de vários países ao dólar e o dólar ao ouro.

Por uma série de fatores, os bancos centrais europeus queriam resgatar quantidades massivas de ouro usando seus estoques de dólares, mas o presidente americano da época, Richard Nixon, deu fim ao acordo. É verdade que desde o início do arranjo, a soberania individual já tinha descido pelo ralo, pois o direito de resgatar ouro com os dólares era exclusivo de outros governos e seus bancos centrais.

Presidente americano Richard Nixon
Richard Nixon | Foto de History in HD na Unsplash

Em 15 de agosto de 1971 se deu o anúncio de Nixon do que deveria ter sido uma suspensão temporária do resgate de ouro. Mas, adaptando uma famosa frase de Milton Friedman: nada é tão permanente quanto uma medida temporária do governo. Na realidade, Nixon anunciou o início de uma era que dura até hoje, a era das moedas fiduciárias.

Também chamadas de moedas fiat, elas não têm qualquer lastro, portanto seu valor depende exclusivamente da confiança nas instituições que o emitem. Dessa forma, o campo de ação dos governos e bancos centrais foi ampliado. Agora, os governos podem se financiar livremente por meio da emissão de dinheiro, o que dilui o poder de compra de quem usa a moeda do Estado.

Isso não seria um problema tão delicado se as pessoas tivessem a alternativa de simplesmente não usar esse tipo de moeda. Mas em praticamente todo lugar do mundo existe o curso forçado da moeda, o que significa que basicamente só há segurança jurídica nas transações que usam a moeda estatal.

Ou seja: a soberania real sobre o próprio poder de compra do indivíduo levou o seu golpe mais duro, e o reflexo disso foi o aumento da frequência de casos de hiperinflação no mundo, incluindo o Brasil nos anos 80-90.

O Caso Brasileiro

O Brasil é um exemplo e doloroso de como a perda de controle sobre a moeda impacta a vida cotidiana. Ao final do século XX, a economia brasileira passou por repetidos casos de alta inflação e planos econômicos desastrosos.

A cada tentativa de contornar uma crise, surgia uma nova moeda, um novo corte de zeros, uma nova promessa. Para o brasileiro comum, tudo isso significava: poupanças evaporadas, preços que mudavam o tempo todo e a diminuição da capacidade de planejar o futuro.

Mas o símbolo mais dramático da perda de soberania foi o confisco da poupança, que ocorreu em 1990 no chamado Plano Collor. Em uma medida anunciada de um dia para o outro, o governo simplesmente bloqueou o acesso do país inteiro ao próprio dinheiro.

Para conter o aumento desenfreado de preços, culpa em grande parte do próprio governo por suas medidas inflacionárias, o Estado impediu o cidadão de gastar seus próprios recursos. Além de prejudicar diretamente a liquidez das famílias, foi também uma maneira cruel de transferir a culpa da inflação do governo ao cidadão comum.

O confisco foi tão trágico que alguns brasileiros deram fim em suas vidas.

Esse episódio é importante porque escancara algo fundamental: o confisco só foi possível porque o indivíduo já não tinha soberania real sobre o seu próprio dinheiro. Ele dependia integralmente do Estado e do sistema bancário para custodiar, movimentar e acessar o fruto do seu trabalho.

A população já estava habituada a uma moeda controlada, manipulada e gerida de cima para baixo. Sem um ativo descentralizado ou uma forma independente de guardar valor, não havia alternativa nem defesa possível.

Quatro anos depois, com o Plano Real, o Brasil teve um respiro de estabilização, a loucura inflacionária tinha dado um tempo. Mas estabilidade não é sinônimo de soberania: a moeda continua inteiramente gerida por autoridades estatais e o problema estrutural permanece. A emissão é centralizada e não tem freios de fato.

Um Caminho para Recuperar a Soberania Financeira

Se a perda de soberania veio com a centralização e a fidúcia estatal da moeda, a recuperação passa por restituir ao indivíduo algum grau de controle sobre sua reserva de valor e meios de troca. Não existem soluções mágicas, mas há caminhos práticos e ferramentas que merecem atenção.

Uma das soluções mais criativas e interessantes veio com o avanço tecnológico. Em um fórum online de discussão sobre criptografia, surgiu em 2008 o Bitcoin: um conceito de moeda e rede de pagamentos digitais.

Embora tenha sido encarado à primeira vista com ceticismo, um ano depois a ideia tomou forma e com o tempo foi pegando tração. Para explicar a sua ideia, o criador dessa solução, que se apresentou como Satoshi Nakamoto, escreveu:

“Como um exercício mental, imagine que existisse um metal comum tão raro quanto o ouro, mas com as seguintes propriedades: cor cinza sem graça; não é um bom condutor de eletricidade; não é particularmente forte, mas também não é dúctil ou facilmente maleável; não é útil para qualquer finalidade prática ou ornamental; e uma propriedade especial e mágica: pode ser transportado por um canal de comunicação.”

O que Satoshi fez, na prática, foi inventar um ativo completamente digital que possui propriedades comerciáveis. Ele apresentou uma espécie de ouro digital e deixou no ar a possibilidade das pessoas, voluntariamente, adotarem como dinheiro, paralelamente ao dinheiro estatal que somos obrigados a usar.

O Bitcoin é durável, ele não se desgasta, quebra ou oxida; pode ser enviado para qualquer pessoa do mundo em minutos com alguns cliques; é mais divisível que qualquer metal do mundo; tem oferta limitada e impossível de mudar sem consenso global; é seguro à ataques de maneira elegante (é mais vantajoso financeiramente colaborar com a segurança da rede do que despender recursos para atacá-la); e é resistente à censura: Nenhum governo, banco ou empresa pode impedir uma transação válida.

Bitcoin é um dinheiro que funciona mesmo quando alguém não quer que você o use. E por isso ele é adotado por um número cada vez maior de pessoas ao redor do mundo, até porque ele também não enxerga fronteiras.

Sua adoção crescente resultou em uma explosão na cotação, que foi de centavos de dólar (desde as primeiras transações comerciais registradas) até mais de 100 mil dólares por moeda recentemente. O que não é um problema para transações de valores menores por conta da boa divisibilidade do Bitcoin.

O criador da moeda acabou sumindo por volta de 2010, mas isso não foi impeditivo para o desenvolvimento da tecnologia, já que o código é completamente aberto e programadores voluntários seguiram aprimorando a moeda. O sumiço de Satoshi é visto até positivamente por alguns, pois foi prova cabal da descentralização da tal rede de pagamentos digitais.

Porém, a soberania também tem seus custos: pela falta de um órgão central que controle a moeda, o seu preço pode apresentar alta volatilidade sem qualquer tipo de interferência central, o que pode gerar receios. A perda de moedas também é outro problema relatado com frequência quando não se faz um cuidadoso backup da sua carteira digital.

Também pouco adianta fugir dos problemas da centralização da moeda e confiar em soluções fáceis que transferem a responsabilidade por sua segurança financeira para terceiros (pior ainda se oferecerem lucros garantidos).

Uma visão realista

Recuperar a soberania não é simplesmente trocar real por Bitcoin. É combinar estratégias: melhorar educação financeira, reduzir sua exposição a políticas imprevisíveis, e adotar ferramentas que devolvam ao indivíduo controle sobre parte do seu patrimônio. Estados inchados provavelmente ainda existirão por muito tempo; o cada indivíduo pode fazer é tentar se proteger das perigosas decisões deles sobre moeda.

Em próximos artigos, discutiremos mais à fundo sobre soluções práticas e ferramentas que melhorem a sua autonomia e traga mais segurança financeira para a sua vida. Continue acompanhando a Soberano!

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